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“Agora pode chover”, de Celso Sisto

Por Leo Cunha


O escritor, ilustrador, pesquisador, professor e contador de histórias Celso Sisto, que em 2024 nos deixou muito cedo, aos 63 anos, desenvolveu uma trajetória exemplar na literatura para crianças. Com formação e atuação no teatro, aproximou-se do universo infantil a partir da contação de histórias, atividade na qual se destacou como integrante do Grupo Morandubetá, capitaneado por Eliana Yunes.

 

Com voz poderosa e olhar afiado, Celso tinha grande versatilidade como contador de histórias, mas brilhava principalmente nos contos da tradição africana – campo ao qual dedicou-se também no doutorado e na docência – e nas histórias de humor.

 

Era uma delícia ver o Celso sublinhar cada nota irônica e maliciosa do conto “Apanhei assim mesmo”, de Ruth Rocha, cada comentário satírico de Sylvia Orthof, em “Galo, galo, não me calo”, ou balancear a divertida mistura de nonsense e ingenuidade em “Menina bonita do Laço de Fita”, de Ana Maria Machado.

 

Como escritor, porém, Celso criou muito mais histórias líricas e delicadas do que contos de humor. Uma dessas histórias, que fala metaforicamente da morte, da memória e dos legados, é Agora pode chover, publicada em livro pela editora Melhoramentos, como ilustrações de Anna Cunha.

 

O livro conta a história de Tatiana, uma jovem menina negra, que para matar saudade do avô, costuma olhar para o céu. O avô tinha combinado com a menina que, quando sentisse sua falta, ela podia olhar para o céu e ele estaria sempre voando por perto. Mas tem tanto bicho que voa por aí, qual deles seria seu avô? Uma mosca, um besouro, uma borboleta?

 

Tatiana acaba desconfiando que talvez seja aquela libélula que pousou em seu ombro e ficou tremelicando as asas transparentes como se quisesse contar um segredo. A mãe e a irmã de Tatiana tentam afastá-la do inseto e levá-la para dentro de casa – afinal, era dia de festa! –, mas a menina não se dá por vencida. Deslizando na ponta dos pés, volta para procurar a libélula, e, quando a encontra, é sua avó quem surge para fazer uma revelação: o avô adorava as libélulas, a quem chamava de “seus macaquinhos de bambá”.

 

De repente, a menina se dá conta de que aquele dia era o aniversário dos dois – dela e do avô –, e lembra um verso que os unia: “quem parte e reparte deixa sua melhor parte”. Hoje, diante da partida repentina de Celso Sisto, é tentador reler Agora pode chover como um recado para seus leitores e seus alunos, de certo modo suas Tatianas. O autor partiu, mas antes disso repartiu muito – histórias, emoções, ensinamentos – e nos deixou sua melhor parte. E assim, sua morte pode ser lembrada talvez com menos tristeza e mais leveza e carinho, como acontece com sua personagem.

 

Em tempo: as ilustrações belíssimas de Anna Cunha – vencedoras do Prêmio da Aelij, do qual tive a honra de ser jurado – criam várias “rimas visuais” que exploram a semelhança entre as folhas de uma árvore e as asas de uma libélula, ou entre uma nuvem distraída e um papel de embrulho solto pelo ar. Assim como Celso, Anna é apaixonada pela cultura e pelas histórias africanas, e nos apresenta as cenas de forma que poderiam tranquilamente estar acontecendo naquele continente.

 

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Leo Cunha é escritor, jornalista e professor universitário. Doutor em Artes pela UFMG (2011), mestre em Ciência da Informação, pela UFMG (1999) e graduado em Jornalismo, na PUC-MG (1991). Desde 1993, publicou de mais de 80 livros, entre crônicas, poesia e literatura infantil e juvenil. Sua obra recebeu diversos prêmios literários, como Biblioteca Nacional, Jabuti, João-de-Barro, Nestlé, FNLIJ, Cátedra Unesco PUC-Rio e Ibby Honor List. Teve mais de 30 livros selecionados para programas governamentais como PNBE, PNAIC, PNLD Literário, dentre outros. Traduziu de cerca de 40 livros de literatura infantil e juvenil, de autores como Gabriela Mistral, António Skarmeta, Julio Cortázar, David McKee, Charles Dickens, Jonathan Swift, Robert Stevenson, entre outros.

 

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