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“Neste momento”, poesia de André Dick

Por Amador Ribeiro Neto


 

 Em “Neste momento” (Kotter Editorial, 2022), André  Dick celebra o tempo presente por dois modos: retomando suas memórias e cantando o porvir. Em outras palavras, o tempo é a matéria que escolhe para fazer poesia. A forma são imagens meticulosamente trabalhadas visualmente associada a uma musicalidade recorrente e delicada.


A música é a tônica de sua poesia que se pauta por várias anáforas, a figura de linguagem que consiste na repetição dos mesmos termos gramaticais no início, meio ou fim do mesmo verso. O poeta gosta de musicar suas ideias desta forma, enquanto as desenha imageticamente como numa fotografia ou numa sequência cinematográfica.


A mesma música entoa-se também em poemas corridos de uma só estrofe. Ou em poemas de versos curtos, estrofes curtas, quando não de versos e estrofes curtas conjuntamente. Ou pela espacialização dos versos na página. Aqui e ali, pelos recursos gráficos como o uso do itálico. Enfim,  fatores que imprimem um ritmo à leitura, musicando o verso que, prenhe de  assonâncias e aliterações e, consequentemente, de musicalidade, encantam o leitor.


Subdivido em três partes, “Infância”, “Caos”, “Casa em mudança” e “Mundo mundo”, “Neste momento” é conciso inclusive nos títulos dos  poemas, formados, em geral, por uma única palavra: rua, palavra, ciclo, órbita, fliperama, casa, direção, bidê, fábula, etc.


A poesia de André Dick, sabidamente considerada minimalista, expande-se neste livro em poemas longos, no entanto conservando a concisão, sua característica dominante, desde o início. Poesia substantiva, alheia a divagações, alia-se ao essencial do verbo, da lâmina, do sol, do signo.

 

 

DEPOIS DE AGORA

 

Desde ontem

Ainda hoje

Portanto agora

Muito embora

O homem esteja aqui

Ainda hoje

Desde  ontem

Hoje e ontem

Ou depois de agora

Esteja lá fora

O amor de outrora

A paixão ao sol

Que a chuva não evapora

Esteja transpirando

Com todos os poros

Que a pele aflora

Com toda a água

Que a lágrima chora

E com toda a alegria

Que a pele recorda

E a vida não solta

Com as mãos segura

Até o relógio ter corda

Até o canto do pássaro

Soar como banda sonora

Tudo entrar em movimento

A cidade e todos os edifícios

Na memória

 

 

Atuando como se fizesse anáforas semânticas, o poeta vai reiterando sentidos dentro de sentidos, palavras que reverberam dentro e sob outras, num movimento contínuo de sons em enjambements que explodem na memória, dentro do cérebro, apontando para o futuro.


Este processo do poema que se imbrica no próprio poema, em camadas de significantes que escamam-se em significados por linhas de significações sucessivas –que por sua vez desenrolam-se em processos elados –  constitui uma imbricação sígnica cuja  cadência semântica, unida à sonora e visual, confere os contornos de uma dicção poética ricamente singular. 


Assim, a poesia de André Dick configura-se como lúdica e ousada, valendo-se dos  recursos da poesia experimental como informação e divertimento. Por isso, “Neste  momento” é o livro deste momento. Daqui. Agora. Pra diante.

 

 

 


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