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Quando não existe nada: a poesia de Ronald Polito

  • Foto do escritor: jornalbanquete
    jornalbanquete
  • há 5 dias
  • 5 min de leitura

 

Por Rogério Barbosa da Silva


Ler os poemas de sem termo (Impressões de Minas, 2024), último livro de Ronald Polito a ser lançado no início deste primeiro semestre de 2025, leva-nos a refletir sobre a matéria e a forma de sua poesia, ou sobre quais são os elementos de força de um poeta que transita entre as artes poéticas e visuais, e que espreme as palavras, reduzindo-as ao seu mínimo. Isso está presente ao longo de sua produção poética, como em  tipografia alfabeta, parceria  com Mário Alex Rosa (Tipografia do Zé, 2023), em que o poema nos comunica sensorial e simultaneamente a dimensão gráfica e verbal da palavra, logo convertida em objeto.


Há algo similar desta dimensão objetal em sem termo materializada pelas mãos do designer Mário Vinícius, que assina o projeto gráfico e faz a parceria com Ronald Polito - exímio poeta da visualidade. No livro muito bem editado, com excelente acabamento gráfico e visual, como têm sido as edições da impecável Impressões de Minas, a escolha da fonte Stencil Creek nos títulos das seções e do livro permitiu uma exploração lúdica das palavras, compondo espirais com segmentos desmembrados da fonte em desenhos que tanto evocam uma escrita pré-alfabética - dado que as letras passam a revelar mais sua força icônica que signíca, de acordo com o viés peirceano - quanto fazem uma referência à poesia visual espiralada, a exemplo de “a rosa doente”, de William Blake, traduzida por Augusto de Campos, ou do exemplo iterativo de “a rose is a rose is a rose...”, de Gertrude Stein. Começando pelo título “sem termo”, impresso parte em relevo, parte impressão lisa, as espirais começam a avançar pelas páginas, ora imprimindo-se parte de um segmento, ora parte de outra fração da fonte, desdobrando as palavras títulos. Isso  cria um processo de visualidade que espicaça a curiosidade do leitor e faz pensar mais na camada visual que acústica dos poemas. Sua forma, sua densidade, e consequentemente em sua matéria.


Assim, os poemas de sem termo são mínimos, geralmente de 4 a 6 versos, variando de um a cinco sílabas poéticas e, embora os lembrem pela concisão, não são haicais. Os títulos de poemas e livro se inscrevem em minúsculas, o que em si indica um tom menor, um certo rebaixamento da poesia, dado que dela não se anunciará uma saída:  “escutar/ atento/ o teu/ não chamado” (p. 56). Mas essa linha negativa se escreve já em livros anteriores de Ronald Polito, como terminal (7Letras, 2006), no qual o poeta parece dialogar com o conceito benjaminiano de “experiência”, por exemplo, no poema “ascese”, em que se questiona a experiência, vista talvez como impossibilidade de acesso seguro ao conhecimento.


Ali, no mínimo, ela  se apresenta na percepção de um corpo projetado na velocidade de trem-fantasma descarrilado, portanto um corpo que  não pode ser tocado, nem possuído por um “monstro” qualquer (os do brinquedo, os da vida). E nem há o que esperar dessa “vivência”, pois ela apenas atualiza nossa perplexidade inicial: “No túnel do fim/ espera a/ mesma luz do princípio” (terminal, p. 17). Nesse mesmo livro, lê-se em “Depois da interpretação” que o poema, ao invés de clarear, ante um céu incompreensível, deve-se cobri-lo de “nuvens/ mais incompreensíveis ainda”( terminal, p. 34). Ou seja, conquanto, a linguagem seja contida, terminal parece incidir num excesso talvez equivalente ao caos de uma cidade moderna.


sem termo mantém relações dialógicas com terminal, de 2006, reorientando, em certa medida, o lugar do sujeito e o espaço da linguagem. Por oposição, traz o título carregado de ambiguidades ao falar daquilo que não termina no tempo ou espaço – portanto, é valido falar numa linha de continuidade -, ou daquilo que não se declara, ou enfim daquilo que se constitui como um marco, uma baliza.


Vejamos o que se encena nas cinco seções deste livro (destarte, dez demônios, da margem, o que se vê, moto perpétuo). Na primeira, o advérbio título coloca o leitor na posição de uma escuta de um discurso do qual só se evidencia a conclusão, ao abrir a página do único poema da seção: “um só/problema: // o que não/ dizer”(p. 11). Quer dizer, a declaração é uma pergunta que pode levar o leitor para trás: isto é, especular sobre o que o poeta tem feito em sua poesia anterior, em que se colocam uma série de livros, dentre os quais destaco:  Intervalos (Sette Letras, 1998), pelo corpo, com Donizete Galvão (Alfarrábio Edições, 2002), terminal (7Letras, 2006), Ao abrigo (Scriptum, 2015). Além disso, Polito traduziu poetas como Joan Brossa, e editou também plaquetes suas e de outros poetas, em sua Espectro editorial, para ficar em algumas referências.


A outra perspectiva e mais esperada é que o poema de abertura funcione como o introito do livro, fazendo com que o leitor prossiga com a pergunta em mente. Com isso, o leitor pode compor imagens diversas verificando como os poemas  “dez demônios” criam uma zona de instabilidade de linguagem a afetar também a dimensão de sujeito que nela se inscreve de forma átona, ou apenas “presumido”: sem bússola, sob risco, em dúvida, no escuro. No espaço solitário “da margem”, também não se alcança grande coisa, talvez um atrito, agarrar o ar, produzir uma fissão, porque a escuridão permanece. E “o que se vê”? Esta é a seção mais longa, com 45 poemas breves, a conotarem um estado de vigília, ou talvez de pequenas mortes (uma erótica, experiências do impossível?). É o poeta ante o estado primordial das coisas, como diz o primeiro da série: “o princípio/ que se consuma”(p. ), ou “o voo antes do salto/ o pouso antes da queda”(p. 64), e ainda: “até/ vivo mas/ queria não/ estar morto”  (p. 71). Nesse e noutros poemas da seção, há referências à morte, mas não como uma morte absoluta, mas como desaparecimento ou anonimato. Talvez menos Mallarmé, e mais como aquela fórmula que Maurice Blanchot vê em Rilke quando diz: “Ó Senhor, dai a cada um a sua própria morte”, em que o filósofo lê não um “eu morro”, mas um “morre-se”, derivando daí uma “inversão radical”: “anônimo é aquele que morre, e o anonimato é o aspecto sob o qual o inapreensível, o não-limitado, o não-situado, se afirma mais perigoso junto a nós”. (Blanchot, 1987, p. 242). E Ronald Polito, lapidar: “uma máscara/ para sempre/ se fingir/ de vivo”(p. 95).


A última seção “moto perpétuo”, como a primeira, traz um único poema, de dois micro-versos, visualmente potentes, porque uma palavra partida, a se desdobrar em duas: “esc / rever”(p. 105), movimento idêntico às espirais que percorre as seções do livro. Assim posto, o poeta recomeça sempre; a palavra, seu moto perpétuo. Isso é o que Blanchot denomina “preensão persecutória”, o poeta agarra o que pode e escreve, em sua solidão essencial. Eis um dos importantes movimentos que o título de seu livro, “sem termo”,  evoca.

 

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Referência:

 

BLANCHOT, Maurice. O espaço literário. Trad. Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Rocco, 1987.

        

 

 

 
 
 

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2022 por Paola Schroeder, Claudio Daniel, Rita Coitinho e André Dick

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